domingo, 11 de janeiro de 2009

Mudança

Um texto de Carolina Cavalcanti, originalmente publicado em http://carolina-cavalcanti.blogspot.com/

Era tarde da noite. Estava sentada entre inúmeras caixas de cor parda. Tudo parecia confuso e desordenado. Havia mudado naquele dia e o cansaço parecia massacrar cada músculo dolorido de meu corpo. No silêncio do apartamento novo parei um pouco de empurrar as caixas. Deitei no chão e comecei a ouvir os sons da vizinhança: os carros que passavam na rua da frente, o ladrar do cachorro do vizinho do apartamento de cima, o som da televisão do vizinho do apartamento de baixo. Os sons e cheiros não eram familiares. Toquei o piso frio e não senti o conforto do tapete que cobria o assoalho da casa onde havia morado. Levantei e fixei os olhos através da vidraça. Logo descobri que a vista também não era familiar. Não conhecia ninguém. Estava em minha casa mas não me sentia em casa.

Meus pertences, aquilo que adquiri e construi durante toda a vida, estavam “arrumados”dentro das caixas. Se precisasse de algum item específico teria que desempilhar caixas, rasgar a fita adesiva, procurar cuidadosamente e principalmente, ter muita paciência. Sabia que precisaria trabalhar muito para que aquele lugar se tornasse habitável. Antes era necessário estabelecer um local para cada coisa. Só o pensamento de tudo que precisava ser feito era o suficiente para me deixar ainda mais cansada...

Naquela noite aprendi uma lição interessante: enquanto não formos para o céu estamos vivendo em um planeta que é semelhante a um apartamento novo e coberto por caixas. Podemos até acreditar que aquele é o nosso lar. Mas no fundo sabemos que não é. A vida é dura e muita vezes nos sentimos exaustos e desencorajados só pelo vislumbre dos desafios que estão à nossa frente. As coisas que conquistamos com tanto esforço não passam de caixas de papelão de difícil acesso e desorganizadas. Muitas vezes nos iludimos ao acreditar que não existe um jeito melhor de viver. Por alguns momentos esquecemos que existe uma opção infinitamente melhor.

Mesmo assim, na correria louca da vida nos acostumamos a viver em meio às caixas da mudança. Lutamos muito mas no fundo sabemos que apesar de termos uma casa, trabalho, família, carro algo sempre está fora do lugar. Algo está faltando. Não conseguimos nos acostumar com as desgraças, desilusões e sofrimentos da vida. Em meio a tudo isso somos tentados a esquecer o que é ter um verdadeiro lar. Uma casa aconchegante onde tudo faz sentido. Um lugar onde memórias boas são construídas e onde podemos encontrar tudo que mais amamos.

Naquela noite fria, enquanto fitava o teto do apartamento novo entendi que o céu é nosso único e verdadeiro lar. Só ali poderemos abrir as caixas de nossa alma e sentir que finalmente todos os anseios e sonhos podem ser depositados em um único lugar. No coração de Deus encontraremos aconchego. Em seu abraço tudo fará sentido. Sentiremos que esse é o lugar onde sempre deveríamos ter vivido. No céu encontraremos familiaridade nos cheiros, sons, imagens, gostos e em tudo que tocarmos. Quando adentramos o lar, doce lar, que Deus preparou para nós esqueceremos o contínuo desconforto que sentimos aqui na Terra. A jornana terá acabado. Chegamos em nossa primeira e última casa - nosso lar eternal.

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Quem é Carolina Cavalcanti?

É jornalista e mestre em Tecnologias Educacionais. Ministra aulas para o curso de Pedagogia da Faccamp e atua como designer instrucional do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada - USP. É colunista do Éoqha e blog do programa de TV Código Aberto.

Aliás, vale a pena linkar os sites onde ela publica:
http://carolina-cavalcanti.blogspot.com/
http://eoqha.net/
http://www.novotempo.org.br/codigoaberto/

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